quinta-feira, 9 de abril de 2009

4ª fase – A mais fácil


Jogo contra o CRC decidiu a ponta da tabela na 4ª fase do Estadual

Confesso que esperava mais dos nossos adversários na 4ª fase do Campeonato Catarinense de Futsal. O Sub-13 era a esperança de um título estadual para o Avaí-LIC, já que o Sub-15 havia sido desclassificado no mês anterior. Claro, com um só time na competição, conseguimos oferecer melhores condições de hospedagem e conforto aos atletas.
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O turno foi realizado no LIC e o returno no CRC, em Chapecó. Além das duas equipes, figuravam na nossa chave o time da ACEC, de Dionísio Cerqueira e o Helio Moritz, de Lages. Todas as quatro equipes estavam bem credenciadas e esperava-se um grande equilíbrio de forças. O CRC, por exemplo, tinha o melhor índice técnico geral até aquele momento. Havia empatado em casa um jogo contra a ACEC e vencido todos os demais. De quebra era a defesa menos vazada. Da minha parte, achava que a falta de treinamentos iria falar alto nessa etapa, pois acreditava que somente equipes com padrões táticos claramente definidos e em pleno funcionamento poderiam seguir adiante a partir daquele momento. Não era o nosso caso. Pelo contrário, a maior parte das vezes nosso time se valeu do talento individual de seus jogadores. Ali, a grande dúvida era: como enfrentar uma equipe que vinha jogando junta há mais de seis anos, como o CRC, e triunfar sobre ela?
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CRC e ACEC fizeram a preliminar, no dia 5 de setembro, em nosso ginásio de esportes. Mais uma vez o equilíbrio entre os dois times se fez presente e o jogo terminou empatado em 3 a 3. Melhor para nós, se vencêssemos. Entramos em quadra estreando o pivô Gabriel, de mais 1.80 m de altura, que entrou no lugar do pivô Leonardo, que abandonou a equipe no meio da temporada por não concordar com as determinações da comissão técnica. A partida começou bem aberta. Marcamos aos 41 segundos de jogo por intermédio do ala Serginho. Aos 8 minutos já estávamos vencendo por 3 a 0. Aos 9:40 sofremos nosso primeiro gol, mas ampliamos aos 11:00. Quando faltava apenas dois segundos para terminar a e primeira etapa, o time de Lages marca seu segundo tento. Os 4 a 2 traduziram bem o espírito do jogo até aquele momento. Fomos para o vestiário.
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Na segunda etapa veio uma chuva de gols. Fomos abrindo uma grande diferença, quando o treinador lageano usou do expediente de colocar em quadra o goleiro-linha, função muito bem executada pela ala Jean, em minha opinião um dos mais completos jogadores de futsal da categoria. Nosso goleiro Victor teve que trabalhar bastante, fazendo uma grande partida e evitando vários gols, já que nossa equipe jamais se sentiu à vontade quando teve que enfrentar um goleiro-linha. Mas a situação mudou. Não demorou muito para que o goleiro-linha adversário fosse expulso de quadra, já que defendeu fora da área um chute do Diogo em direção ao gol. Aproveitamos-nos da superioridade numérica para marcar. Minutos mais tarde foi a vez do nosso fixo Cleyton ser expulso. Eles não conseguiram marcar mesmo com um homem a mais em quadra. Mas sofremos o quarto gol (o primeiro que o goleiro Lucas Cassol tomou na competição) a pouco mais de um minuto do fim. Fizemos mais um nos segundos finais e fechamos a conta: 11 a 4.
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No dia seguinte todos os adversários já sabiam do potencial da nossa equipe. Eu ainda tinha minhas dúvidas quanto ao desempenho do time contra os demais adversários, teoricamente mais bem qualificados do que o time lageano. Mas só teoricamente, pelo que se viu mais tarde. Diante da ACEC, nossa equipe foi bem mais cuidadosa do que na partida da noite anterior. Sabíamos que não se podia abrir tanto a nossa defesa, já que havíamos sofrido quatro gols em um só jogo, coisa rara até aquele momento da competição. Como quase sempre acontecia, começamos a partida abrindo o marcador a 1:23, com gol do Serginho. Porém, em uma falha individual do ala Yan, que começou aquele jogo na armação das jogadas, a 1:50 sofremos o empate. Yan continuou em quadra e não se abalou. Pelo contrário, fez uma grande partida. Na verdade, ninguém da nossa equipe se abalou com aquele gol e, logo aos 2:50 marcamos mais uma vez, dessa feita por intermédio do pivô Marcão. E de novo aos 3:25 através de um belo gol do ala Diogo. A ACEC se fechou na defesa e não conseguimos mais espaços para marcar na primeira etapa, que terminou 3 a 1. No segundo tempo, já desacelerando em função da fragilidade ofensiva do adversário, tocamos mais a bola. Em duas jogadas em penetração, o ala Diogo rompeu a defesa cerqueirense e anotou mais dois gols, aos 3:15 e 11:16. O jogo terminou 5 a 1. Faltava agora o teste final, contra o CRC, que na partida preliminar havia vencido o Helio Moritz, sem o seu principal jogador, por 8 a 2.
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O CRC entrou em quadra disposto a provar que era o bicho-papão do grupo. Equipe de bom toque de bola e muito entrosamento, trazia para dentro da quadra todos os seus resultados anteriores. Mas foi só isso. Durante o jogo o que se viu foi um Avaí-LIC dominante, senhor de todos os quadrantes da cancha de jogo e que levava sempre uma grande vantagem no corpo-a-corpo. O primeiro tempo terminou 2 a 0 para nossa equipe, gols de Yan e Pelezinho. No segundo tempo, o panorama da partida permaneceu o mesmo. A diferença é que o CRC diminuiu, logo a 1:10. Não deu nem para comemorar direito. Um minuto mais tardem o ala Serginho dá uma pancada certeira para fazer 3 a 1. Outro minuto depois, foi a vez do ala Diogo deixar o seu: 4 a 1. O excelente goleiro Leo, do CRC, impedia que abríssemos maior vantagem no marcador. Depois de muitas tentativas, aos 9:40 o ala-pivô Jhonathan amplia para 5 a 1. Quase no fim do jogo, o ala Serginho comete um pênalti, que acaba convertido pelo CRC, dando números finais a partida: 5 a 2. Começava aí uma grande seqüência de vitórias da “Maquininha Azurra” sobre a equipe de Chapecó.
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As três vitórias nos deram a certeza da classificação em Chapecó. A partir daquele momento eu vi que o time poderia chegar às finais. A expectativa em relação à viagem era muito grande. Pela primeira vez os garotos ficariam hospedados em um hotel – a maioria deles jamais havia vivido essa experiência. Fretamos um ônibus de excelente qualidade para dar mais conforto à equipe. A comida também tinha que ser boa. Optamos por nos hospedar em um local conhecido desde a época em que eu defendia as cores da Elase, o Hotel Cometa, que é próximo ao CRC. Ao chegarmos, procuramos treinar pela manhã, para movimentar a garotada e preencher o tempo vago. No clube havia o treino da escolinha e tivemos que seguir para outra quadra, gentilmente conseguida pelo amigo Fernandinho (Fernando Silveira), membro da comissão técnica do CRC. Enquanto o time treinava, eu relaxava tranquilamente em um banco, fora da quadra, dormindo de barriga para cima. Almoçamos, voltamos para o hotel, dormimos. Acordamos, lanchamos e ouvimos uma breve preleção antes de nos dirigirmos ao ginásio de esportes local.
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Estávamos novamente diante do Helio Moritz, que jogava seu destino naquela partida. Eles começaram pressionando e obrigando, mais uma vez, o goleiro Victor a trabalhar bastante. Bola atrás de bola ele foi evitando a abertura do marcador, mas, em falha do pivô Marcão, que entregou nos pés adversários uma bola de contra-ataque a partir de uma jogada de lateral, sofremos o primeiro e único gol. A partir daí o jogo mudou. Pressionamos bastante e perdemos muitos chutes frontais ao goleiro adversário, acertando a trave ou jogando para fora. Foram chutes do pivô Marcão, que estava naqueles dias que nada parece dar certo. Só que a pressão acaba quase sempre dando resultados. Aos 7:43 e 13:49, o ala Diogo mostrou porque foi considerado o melhor jogador da categoria na temporada 2008, virando a partida. Quando faltavam três segundos para terminar a etapa, finalmente o pivô Marcão faz seu gol e corre para comemorar com a torcida, numa espécie de desabafo e agradecimento pela força que estava recebendo, apesar dos sucessivos erros .
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Mal começou o segundo tempo e Marcão guarda mais um gol. Em seguida o Yan e novamente o Marcão ampliam a conta, que agora estava em 6 a 1. Para não fugir à regra, o técnico adversário coloca em quadra o goleiro-linha. E, mais uma vez, o goleiro Victor mostra a todos os presentes porque foi considerado por muitos o melhor do campeonato. Fim de jogo e estávamos classificados. Agora era uma questão de garantir o primeiro lugar da chave e pontuar o máximo possível, já que o regulamento dizia que o mando de quadra nas finais seria decidido através de índice técnico acumulado na 4ª e 5ª fases.
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Pela manhã, o nosso jogo mais insosso, contra a ACEC. Para sonhar com a classificação eles tinham que nos vencer, vencer o Helio Moritz e aguardar um tropeço do CRC diante do time lageano e mais uma vez diante da nossa equipe. Era pura matemática, pois as possibilidades eram muito remotas já que teriam ainda que descontar 11 gols sofridos a mais em relação ao time de Chapecó. Obviamente, se havia um fio de esperança, eles teriam que se agarrar a ele. Relaxados e jogando um futsal burocrático, os garotos do Avaí-LIC tiveram muitas dificuldades para abrir o marcador. Embora dominassem, não conseguiam concretizar as suas chances de gol – que nem foram tantas assim. Até que aos 8:23 da primeira etapa, o Diogo – sempre ele – abre o marcador. Um pouco depois o Serginho também faz o seu e o primeiro tempo termina 2 a 0. O terceiro gol veio logo no início do segundo tempo, mais uma vez pelos pés do Diogo. O jogo prosseguia sonolento até que, quando faltavam 5 minutos para terminar, a ACEC marca um gol de falta, desviada sutilmente pelo pé direito do nosso fixo Gustavo. Tão sutil que o goleiro Victor não percebeu e acabou pedindo desculpas à equipe pela “falha”. Só viemos descobrir mais tarde, olhando atentamente as gravações de DVD ampliadas e em câmera lenta, que houve realmente o desvio.
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Neste momento, as gravações de DVD foram uma grande novidade para a nossa equipe. O técnico Alex Silva havia acabado de comprar uma câmera. Quase dois anos antes eu tinha comprado a minha, mas jamais consegui gravar nada além de trechos de jogos, treinos e aquecimentos. Quem está torcendo não tem condições de gravar. Pelo menos esse é o meu caso. Nas mãos do nosso diretor de futsal, Iuri Schlüter, aquela câmera de DVD registrou, além dos jogos, a atitude racista e impensada de algumas torcedoras do CRC contra nossos atletas negros. Foram ofendidos de diversas formas que, mesmo fugindo a um certo caráter jornalístico dessa narrativa, prefiro não relatar. Mas está tudo gravado. Na verdade, elas não conseguiram suportar ao que assistiam: seus filhos e netos sendo massacrados dentro de quadra, totalmente humilhados pela derrota por 9 a 2 em casa. Foi apenas a segunda derrota do CRC na competição, mas foi avassaladora. Mexeu com os brios e com a própria segurança da equipe, que passou a tremer quando nos via pela frente.
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O jogo contra o CRC foi o mais tranquilo de todos. Abrimos o marcador aos 24 segundos de jogo e fechamos a primeira etapa em 4 a 0. Começa o segundo tempo e o CRC desconta aos 2:45. Ainda comemoravam quando, cinco segundos depois, logo após a nossa saída, ampliamos para 5 a 1. Não se passaram 30 segundos até que fizéssemos mais um gol: 6 a 1. Nosso time estava literalmente “colocando na roda” os adversários. A torcida já nos hostilizava e, quando eles conseguiam uma sequência mínima de toques ou algum drible mais bonito gritavam “olé, olé”. Coisa de mãe e de vó. Na quadra a gente impunha um severo castigo aos donos da casa. Nossa equipe estava sendo doutrinadora, usando do seu talento como se fosse uma palmatória para impor dor, sofrimento, castigo e humilhação. Respondíamos ao racismo com gols, nada mais.
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Antes daquele jogo, durante o almoço, o goleiro Victor, inspirado no ídolo da sua geração, o goleiro Rogério Ceni, do São Paulo Futebol Clube, pediu ao técnico Alex Silva para cobrar um pênalti. Alex disse que só se estivesse 5 a 0. Pois é, estava 6 a 1 e foi marcado um pênalti a nosso favor. E lá vai o Victor cobrar. Ele havia marcado somente uma vez na competição, no jogo contra a Apama. A torcida gritava o nome do goleiro da sua equipe, sabendo das consequências humilhantes de sofrer um gol de goleiro. Mas não teve jeito. A cobrança foi feita no centro do gol, no alto, com violência. Bateu de bico e com raiva, vingando os amigos que estavam sendo maltratados naquele momento: 7 a 1.
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O técnico Alex, a partir daí, trocou toda a equipe, inclusive o goleiro. Fizemos mais um gol e sofremos outro. Adivinhem? O ginásio quase veio abaixo com a efusiva comemoração da torcida adversária. Como castigo, o pivô Gabriel arranca do meio da quadra e, na saída do goleiro, empurra a bola para a rede: 9 a 2.
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A imprensa local me entrevistou após o jogo, perguntando se eu havia me surpreendido por ter vencido de forma tão incisiva todas as nossas partidas, especialmente ali, na casa adversária. Politicamente correto, disse que sim. Mas na verdade, após a rodada do LIC, tinha certeza de que sairíamos de Chapecó com três vitórias. Na saída do ginásio, algumas mães e vós insinuaram que nossos jogadores, bem maiores do que seus filhos e netos eram “gatos”. Limitei-me a dizer: “Vocês estão classificados. Agora vão enfrentar as equipes do litoral e ver que a força física é essencial para prosseguir na competição. Tem gente bem maior do que os nossos atuando nesse campeonato.”
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Nem precisa dizer que a volta para Florianópolis foi festiva.

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